Processo : RO - 484/03
Data de Publicação : 25/03/2003
Órgão Julgador :Setima Turma
Juiz Relator :Exmo Juiz Milton V Thibau de Almeida
Juiz Revisor :ExmaJuiza Maria Perpetua C.F.de Melo
Recorrentes: XXX E OUTRO
Recorrido: YYY
EMENTA: DANOS MORAIS. TRANSPORTE
INADEQUADO. AUSÊNCIA DE OFENSA À DIGNIDADE HUMANA.
Poder-se-ia questionar no âmbito
administrativo uma mera infração das normas de trânsito do Código de Trânsito
Brasileiro quanto ao transporte inadequado de passageiros em carroceria de
veículo de transporte de cargas, o que não é da competência da Justiça do
Trabalho. Mas se o veículo é seguro para o transporte de gadotambém o é para o transporte do
ser humano, não constando do relato bíblico que Noé tenha rebaixado a sua
dignidade como pessoa humana e como emissário de Deus para salvar as espécies
animais, com elas coabitando a sua Arca em meio semelhante ou pior do que o
descrito na petição inicial (em meio a fezes de suínos e de bovinos).
Vistos os autos, relatado e
discutido o presente recurso ordinário interposto contra decisão proferida pela
MM.ª Vara do Trabalho de Guaxupé em que figuram como
recorrentes XXX E OUTRO e recorrido YYY.
I. R E L A T Ó R I O
Ao de fl. 85, que adoto,
acrescento que a MM.ª Vara do Trabalho de Guaxupé julgou procedente em parte o
pedido deduzido na inicial, condenando a reclamada ao
pagamento de horas in itinere e indenização por danos morais. Os embargos de
declaração aviados pelos reclamados foram dirimidos à fl. 92.
Inconformado, os réus recorrem
ordinariamente a este Tribunal, requerendo a reforma do decisum, conforme
análise que se fará na fundamentação (fls. 93/97).
Pagaram-se as custas processuais e efetuou-se o depósito prévio (fls. 98/99).
Contra-razões produzidas às fls.
102/104.
Ficou dispensada a manifestação
da douta Procuradoria Regional do Trabalho, conforme o artigo 82, II, da
Resolução Administrativa n.º 127/2002.
É o relatório.
II. FUNDAMENTOS
1. JUÍZO DE CONHECIMENTO
Presentes os pressupostos legais
de admissibilidade, conheço do recurso.
2. JUÍZO DE MÉRITO
2.1. HORAS IN ITINERE
Pugnam os reclamados para que,
por força de regra convencional, seja a condenação ao pagamento de horas
itinerantes limitada ao período em que o transporte
ocorreu em veículo inadequado, cerca de 5 dias.
Dispõe a CCT dos trabalhadores
rurais de Monte Santo de Minas, que não serão consideradas como horas de
trabalho, ou horas à disposição do empregador, ou mesmo como horas IN ITINERE,
aquelas consumidas no transporte do local ajustado até o local de trabalho
(parágrafo único da cláusula 6.ª, fl. 20).
Contudo, para que o empregador
pudesse usufruir desta esta benesse deveria, em
contrapartida, proporcionar maior conforto e segurança aos empregados (v. norma citada, início).
Tanto é assim, que o caput da
citada cláusula 6.ª dispõe, expressamente, que os veículos
destinados ao transporte dos trabalhadores rurais deverão satisfazer as
condições técnicas e a segurança do transporte coletivo (fl. 19). Assim, no
período em que o deslocamento se deu no veículo apropriado, ônibus, conforme
atestam as provas documental (fl. 36) e testemunhal (fls. 80/84), não é mesmo
devido o pagamento de horas in itinere.
Resta, pois, definir qual foi
este lapso temporal.
A testemunha apresentada pelo
autor, Valdivino Lopes, o próprio turmeiro, relatou que os reclamantes eram
transportados em veículo oferecido pelos patrões; que ora
era ônibus e ora era caminhão, sendo que no início era um ônibus e depois
passou a ser um caminhão e no final retornou ao ônibus. Esclareceu, ainda, que
os reclamantes já chegaram a ser conduzidos também um uma Toyota, por três (03)
dias, cuja carroceria era típica de condução de gado, conhecida como
"gaiola" (fl. 80).
Orlando Tomé Sobrinho, testemunha
arrolada pelos reclamados, disse que dirigia um ônibus da propriedade dos
reclamados na safra de café (...), sendo que na propriedade havia apenas um
ônibus (...); que havia também um caminhão que transportava o pessoal, (...)
que o caminhão quebrou e arranjou-se outro ônibus; (...); que os reclamantes
devem ter sido transportados em caminhão por uns 05 dias, mas não viu o fato
(fl. 81, grifos acrescidos).
O depoimento de Ronei Gonçalves
dos Santos não destoa: que o depoente reside na fazenda e não utilizava o mesmo
transporte dos reclamantes; que o depoente via o
pessoal chegar para o trabalho, sendo que eles chegavam de ônibus; que por 05
dias os reclamantes foram de caminhão e depois de ônibus; que uma vez os
reclamante foram de Toyota (fl. 82, grifei).
Diante deste contexto,
considerando a duração do contrato de trabalho dois meses, entendo razoável
reduzir a condenação de horas itinerantes ao período de 5 (cinco) dias, no
importe de duas horas, conforme fixou a r. decisão combatida.
Provimento nestes termos.
2.2. DANO MORAL
O d. juiz sentenciante condenou
os reclamados ao pagamento de indenização por danos morais, na importância de
R$1.000,00, em face das condições inadequadas e
perigosa de transporte a que o trabalhador foi submetido. Contra tanto, voltam-se os réus.
Argumentam que o autor não se
desincumbiu de provar a assertiva inicial de que fora transportado "em
meio a estrumes e fezes de animais (porcos e gado "vacum").
Têm razão.
A mera circunstância de ter sido
transportado o reclamante no meio rural, em camionete boiadeira, dotada de
gaiola protetora para o transporte de animais, não ofende a dignidade humana,
nem afeta a sua segurança, como pretende a r. sentença recorrida. Poder-se-ia questionar no âmbito
administrativo uma mera infração das normas de trânsito do Código de Trânsito
Brasileiro quanto a transporte inadequado de passageiros em carroceria de
veículo de transporte de cargas, o que não é da competência da Justiça do
Trabalho. Mas se o veículo é seguro para o
transporte de gado também o é para o transporte do ser humano, não constando do
relato bíblico que Noé tenha rebaixado a sua dignidade como pessoa humana e
como emissário de Deus para salvar as espécies animais, com elas coabitando a
sua Arca em meio semelhante ou pior do que o descrito na petição inicial (em
meio a fezes de suínos e de bovinos).
A r. sentença recorrida
fundamenta o deferimento de horas extras in itinere que "o
local era de difícil acesso (16 km longe do asfalto)", o que justifica o
fornecimento de transporte, ainda que em condições precárias.
Não restou provado nos autos que
o reclamante tenha sido transportado "em meio a
estrumes e fezes de animais (porcos e gado vacum)", como alegado na causa
de pedir da inicial, não tendo sido sequer alegado que o transporte nessas
condições tivesse o escopo de humilhar ou ofender o reclamante, que nunca se
rebelou ou fez objeção contra a conduta patronal, preferindo percorrer os 16
kms do deslocamento a pé ou por outro
meio de transporte.
Dou provimento para excluir da
condenação o pagamento de indenização por danos morais.
III. C O N C L U S Ã O
Conheço do recurso e, no mérito,
dou-lhe provimento, para restringir a condenação quanto ao
pagamento de horas extras in itinere ao período de 5 (cinco) dias e para
excluir a condenação quanto ao pagamento de indenização por danos morais.
Fundamentos pelos quais, A C O R D A M os Juízes do Tribunal Regional do
Trabalho da Terceira Região, pela sua Sétima Turma, unanimemente, conhecer do
recurso e, no mérito, sem divergência, dar-lhe provimento, para restringir a
condenação quanto ao pagamento de horas extras "in itinere" ao
período de 5 dias e para excluir a condenação quanto ao pagamento de
indenização por danos morais.
Belo Horizonte, 13 de março de
2003
JUIZ MILTON VASQUES THIBAU DE
ALMEIDA
Relator
[Texto alterado em 6/10/2006 com
a retirada dos nomes das partes]
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