sexta-feira, 20 de julho de 2012

O assédio moral nas relações de trabalho

Lila Carolina Mota P. Igrejas Lopes[i]

1Introdução

Impossível falar de assédio moral sem remeter aos direitos da personalidade. Certamente a construção doutrinária sobre assédio moral apenas foi possível porque se passou a ter uma visão menos patrimonialista do direito, com o reconhecimento de que a dimensão não material do ser humano também deveria ser objeto de tutela pelo ordenamento jurídico.
Como afirma VENOSA,os direitos da personalidade são os que resguardam a dignidade humana(2003, p. 152). Por isso mesmo, são direitos inalienáveis, intransferíveis e ínsitos a todo ser humano e quem sofre uma agressão a eles passa a fazer jus a uma reparação.
Certo é quea dor não tem preço, contudo a indenização pela violação aos direitos da personalidade é possível tendo em vista o seu caráter punitivo-pedagógico com relação ao ofensor e compensatório no tocante à vítima.
Muito embora a indenização pecuniária não retornar as coisas ao seu estado anterior, traz para a vítima a sensação de aplicação da Justiça, de reconhecimento por parte do Estado de que ela sofreu injustamente e, por isso, deve ter uma reparação. Por outro lado, também inibe o ofensor e evita a reincidência.
Especificamente no campo do Direito de Trabalho, o assédio moral também deve ser duramente combatido.
De acordo com o artigo da Constituição Federal, a saúde é um direito social e o meio ambiente de trabalho sadio se insere nisto. O ambiente de trabalho sadio não é apenas aquele em que se observam as condições de segurança e higiene do trabalho, mas também a qualidade das relações interpessoais, que devem se pautar pelo respeito, confiança e colaboração.
No entanto, lamentavelmente, nem sempre isso ocorre e o objetivo do presente artigo é a reflexão sobre os elementos que caracterizam o assédio moral e as nefastas conseqüências deste. Apenas se identificando a situação do assédio será possível preveni-la e combatê-la adequadamente.

2Conceito

O assédio moral é construção doutrinária e jurisprudencial, e ainda não está positivado no ordenamento jurídico brasileiro. Não é um fenômeno exclusivo do ambiente de trabalho, pois pode ocorrer na família, na escola etc. [ii]
Cabe ressaltar que o assédio moral praticado no local de trabalho não se esgota nesta esfera, repercutindo na vida social e familiar da vítima. O indivíduo é um todo. Os ambientes de trabalho, social e familiar não são divisões estanques entre si e, invariavelmente, refletem uns nos outros.
A vítima de assédio moral no trabalho pode se mostrar mais arredia ao convívio social, por ter sua auto-estima abalada; pode passar a assediar sua própria família reproduzindo o pérfidojogo de poderexistente na vida profissional ou apresentar qualquer outra manifestação que acabe por desestabilizar as relações de amizade e familiares, causando o isolamento da vítima também nestas esferas de sua vida e o tornando mais suscetível ainda ao assédio moral no trabalho, em um cruel círculo vicioso.
O que caracteriza o assédio moral no ambiente de trabalho é a conduta reiterada, em regra, do empregador, que causa grave violência psicológica a outem, por meio da degradação das condições de trabalho.
Pode se expressar de diferentes formas, sendo usuais as seguintes: desqualificação pública do trabalho da vítima, recusa de informação ou comunicação, isolamento, rigor excessivo com imposição de metas impossíveis de serem atingidas, exposição pública da vítima ao ridículo etc.
Hirigoyen (2002, p. 15) define o assédio moral como:qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude...) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego e degradando o clima de trabalho.
 Trata-se de conceito claro e preciso, do qual apenas discordamos em um ponto: quando a autora menciona que o assédio moral atenta contra aintegridade psíquica ou físicada vítima. Isto porque entendemos que a violência no assédio moral é apenas a psíquica (motivo pelo qual também é conhecido por psicoterror), embora possa vir a ter repercussões físicas (depressão, ansiedade, distúrbios digestivos etc). Se a violência for unicamente física, não se estará diante de assédio moral, mas de lesão corporal, ato de agressão, com outras formas de caracterização e punição[iii].
NASCIMENTO (2009, p. 2) afirma:
 A doutrina pátria define o assédio como uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica, de forma repetitiva e prolongada, e que expõe o trabalhador a situações humilhantes e constrangedoras, capazes de causar ofensa à personalidade, à dignidade ou à integridade psíquica, e que tem por efeito excluir o empregado de sua função ou deteriorar o ambiente de trabalho.

Cada autor, evidentemente, trará seu conceito de assédio moral, ainda mais em se considerando que não há, no Brasil, uma tipificação legal. No entanto, normalmente serão mencionados dois pressupostos: a constância dos ataques e a violação à dignidade do trabalhador.
O assédio também pode refletir uma conduta discriminatória, de intolerância com o empregado que é consideradodiferente, seja por algum aspecto físico, opção sexual, idade ou qualquer outro fator. O assédio surge, então, como uma tentativa de impor a lógica do grupo, de uniformização e formatação dos indivíduos, sem respeito à diversidade. É uma forma deenquadramento.
Também registro na jurisprudência de assédio praticado contra a empregada grávida, para forçá-la a pedir demissão uma vez que goza de estabilidade no emprego desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto[iv].
Portanto, a definição do que seja assédio moral não é tarefa fácil, que ele pode assumir diferentes facetas e ter motivações várias.
Para ALKIMIN (2006, p. 52)a conduta que caracteriza o assédio moral deve ser consciente, ou seja, como espécie do gênero ato ilícito, deve ser intencional ou previsível (...).
No entanto, embora abalizada e respeitável a visão de Alkimin, ousamos dela discordar.
Entendemos que a intenção do ofensor é irrelevante para a caracterização do assédio moral, mesmo porque é impossível penetrar na mente dele e desvendar a real motivação do comportamento abusivo. Muitas vezes, a título deprogramas motivacionaisou dereengenharia, gerentes e supervisores das empresas adotam estratégias pouco convencionais e que podem traduzir um assédio moral, sem que haja a intenção consciente de violar a dignidade do subalterno.
Além disso, o assediador pode agir como um merorepetidorde condutas sem ter a intenção de humilhar o subordinado, mas apenas reproduz um comportamento dele esperado, ou mesmo que tenha sido a ele aplicado no passado. É o caso clássico do empregado que, alçado a um cargo de gerência, passa a tratar os subordinados do mesmo modo como que era tratado, seja por hábito, por insegurança sobre as atribuições no novo cargo, por admiração ao antigo chefe ou mesmo por pensar quese ele suportou aquela situação, os outros também têm que agüentar. Não importa, pois tem responsabilidade da mesma forma. A intencionalidade não é, por conseguinte, relevante para a configuração do assédio moral.
De se destacar, ainda, que não raro o próprio assediador desconhece as razões que o levam a agir daquele modo, pois estas podem ter origem em motivações ocultas, inconscientes, que remontam às experiências pretéritas do ofensor e não se relacionam unicamente com o ambiente de trabalho.
Importante perceber que o assediador não deve ser visto como um vilão daqueles de histórias em quadrinhos ou folhetins, que é perverso e infinitamente mal o tempo todo. Provavelmente haverá uma alternância no comportamento do agressor, que o ser humano é complexo e muitas vezes o assediador age motivado por insegurança, o que também ocasiona alteração no comportamento. É possível que diferentes pessoas descrevam o assediador com adjetivos totalmente antagônicos. Não é possível rotular e esquematizar os indivíduos, em visão maniqueísta. Isto, por óbvio, pode tornar difícil a prova da existência do assédio moral por meio de testemunhas, que cada testemunha talvez descreva o suposto agressor de diferente forma, sem que nenhuma delas esteja mentindo.
Ninguém é inteiramentebomnemmau. Mesmo aquela pessoa considerada pela sociedade como umbom cidadãopode assediar, manifestar lado sombrio e reprimido, dependendo de determinadas circunstâncias, momento de vida, comportamento do grupo que o cerca.
Por isso, PRATA (2008, p. 175) afirma que não umperfil do assediador, embora normalmente sejam pessoas predominantemente narcisistas, vaidosas, orgulhosas, paranóicas, sádicas ou mesmo com psicopatias.

No cenário laboral, a personalidade aduladora, magnética, manipuladora e traiçoeira do psicopata permite que alcance postos de chefia com facilidade. A sua falta de escrúpulos e empatia o autoriza a praticar todo tipo de intriga e trapaça com o intuito de obter uma rápida ascensão profissional. Uma vez conseguido o objetivo perseguido, costuma assediar moralmente os seus subordinados e a bajular os superiores. Não a menor importância às regras de proteção aos trabalhadores.

Adverte o autor que, do mesmo modo que não umperfildo agressor, tampouco o da vítima.
Há, inclusive, controvérsia sobre a necessidade de ocorrência de dano psíquico na vítima para que fique caracterizado o assédio moral, sendo que, seja qual for o entendimento que se adote sobre o tema, ao se avaliar a ocorrência ou não do dano psíquico, deve-se sempre considerar ohomem médio, e não uma pessoa com maior suscetibilidade ou resistência.
Esta avaliação quanto ao dano psíquico e sua extensão poderá ser feita por profissional abalizado para tanto, por meio de uma perícia médica. De todo modo, é possível que seja de difícil aferição, como é a pesquisa sobre a intencionalidade do agressor. Ademais, a consideração do que seja umhomem médioé dotada de grande grau de subjetividade.
Não se pode perder de vista que pode ocorrer de a vítima sentir-se confusa ou culpada, principalmente se tiver desenvolvido laços afetivos com o assediador. O sentimento de humilhação convive com o de admiração, resultado muitas vezes de baixa auto-estima da própria vítima, que pode se considerarmerecedorado tratamento recebido ou mesmo negar, para si mesma, a ocorrência do psicoterror. A dominação psicológica pode chegar a tanto, sem sombra de dúvida.
Aliás, este é um argumento que demonstra que a ocorrência do dano psíquico seria irrelevante para a configuração do assédio moral, que a própria vítima pode não se enxergar como tal.
aqueles que defendem a necessidade de haver dano, argumentarão, certamente, que sem dano não responsabilidade civil.
A propósito, é de se mencionar que a empresa responde pela reparação, ainda que não seja a causadora direta do dano. Com efeito, de acordo com o art. 932 inciso III do Código Civil Brasileiro, o empregador tem responsabilidade civil pelos danos causados por seus prepostos e empregados no exercício do trabalho que lhes competir ou em razão dele. Evidentemente, ficará resguardado o direito de regresso, ou seja, de a empresa buscar ressarcimento junto ao assediador da indenização que teve que pagar à vítima.
Ocorra ou não o dano psicológico, certo é que, como mencionado, apenas haverá assédio moral quando ocorrer violação à dignidade da vítima.
Ademais, a existência de repetição no comportamento do assediador também é imprescindível para que se esteja diante de um verdadeiro caso de assédio moral.
Podem ser pequenos atos que, isoladamente, não teriam grande repercussão mas que, com a reiteração, adquirem outra dimensão e podem ter efeito devastador no psiquismo do assediado. Aliás, esta é uma das facetas mais cruéis do assédio moral: como os atos de agressão muitas vezes, isoladamente considerados, não são graves, a vítima é considerada uma pessoasuscetível ou sensível demais. A vítima é estigmatizada como paranóica,criadora de casoou pessoa com síndrome persecutória.
Interessante perceber que qualquer um pode ser vitima do assédio moral, desde o alto executivo da empresa até o empregado de menor hierarquia dentro da estrutura organizacional, que recebe salário mínimo.
O assédio, então, poderá se manifestar de diferentes formas dependendo do grau de instrução e hierarquia da vítima dentro da corporação. No caso do alto empregado, por exemplo, o fato de retirar determinados benefícios como telefone celular, computador pessoal ou secretária particular pode ser estratégia de assédio, para humilhar e constranger o executivo, que se verá obrigado a realizar tarefas antes delegadas. para o empregado na base na pirâmide hierárquica, o assédio é menos sutil e dissimulado.
O assediador pode ser dispensado por justa causa, com base no art. 482, alíneas b e j da Consolidação das Leis do Trabalho. Da mesma forma, a vítima pode postular a resolução contratual por culpa do empregador (rescisão indireta) com base no art. 483, e, da CLT.

3Situações análogas ao assédio moral

Foi visto o conceito do assédio moral e algumas das polêmicas que o envolvem. Contudo, certamente fica mais fácil identificá-lo também por exclusão, ou seja, a partir da situação que se assemelha ao assédio moral, mas com ele não se confunde. Hoje muitos processos que tramitam na Justiça do Trabalho em que pende a acusação de assédio moral em face do empregador e distinguir o verdadeiro assédio de apenas um maior rigor ou manifestação veemente do poder diretivo tem sido a grande dificuldade dos julgadores.
A primeira observação a se fazer é que a imposição de metas, transferências, críticas ao trabalho e avaliações são expressões do poder diretivo que, por si só, não caracterizam assédio moral.[v]
Existe umazona cinzenta, um limite a se verificar caso a caso, mediante percuciente exame das provas dos autos e contato com as partes envolvidas, com análise do comportamento e personalidade do suposto agressor. Neste diapasão, importante verificar se existe um caráter de generalidade no comportamento do empregador ou preposto, isto é, se todos os empregados são tratados da mesma forma ou não. Embora isto não seja uma excludente do assédio moral (já que ele pode se dar em relação a um grupo de empregados), o tratamento escancaradamente diferenciado, com rispidez muito maior em relação a determinado funcionário, pode ser importante elemento de convicção sobre a existência do assédio moral.
De todo modo, entendemos que o assédio moral pode se dar em relação a todos os empregados da empresa. Neste sentido, PRATA (2008, p. 76):
Existem empresas que submetem todos ou quase todos os seus funcionários a procedimentos vexatórios, como a cronometragem do tempo no toalete, espionagem de e-mails e telefonemas ou revistas íntimas. ainda a administração por injúrias por meio da qual os assalariados são estimulados a trabalhar cada vez mais, sem poder protestar nem errar, sob pena de receberem ofensas públicas.

Outro ponto a se considerar é que existem profissões que, por sua própria natureza, são estressantes e produzem grande desgaste emocional. Isso se com os profissionais da área de saúde, comércio varejista, dentre outros. Mas o que caracteriza o assédio é a perseguição a um determinado empregado ou grupo de empregados, o psicoterror, enfim, todos os comportamentos mencionados.
Evidente, ainda, que no ambiente de trabalho, como em qualquer relação interpessoal, surgem atritos. Mais uma vez se deve ter em mente os reais contornos do que é o assédio moral para que uma ocorrência natural de conflito não seja confundida com assédio. Contudo, como um atrito normal de trabalho pode desencadear um futuro assédio moral, é necessária a atenção da chefia para resolver a questão rapidamente e de forma satisfatória, em atitude preventiva.
ainda casos em que ocorre um dano moral, mas não assédio moral. São figuras que a doutrina distingue e têm elementos caracterizadores próprios, sendo que parte dos autores considera o assédio uma espécie do gênero dano moral. Se houve um único ato ofensivo, que se esgote em si mesmo, estar-se-á diante de dano moral, e não de assédio.
Tampouco o assédio sexual se confunde com o assédio moral, mesmo porque aquele está previsto na lei penal como crime e o assédio moral, como visto, ainda não tem tipificação legal.
O art. 216-A do Código Penal tipifica o assédio sexual como o ato deConstranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.
A dicção da lei deixa claro que deve haver constrangimento, sendo certo que a merapaqueraou convite para sair não caracteriza assédio sexual.
Realizar este juízo de valor sobre o que é galanteio e o que configura assédio sexual é delicado e depende de variáveis como o costume, o local, formação cultural dos envolvidos etc. Imprescindível a razoabilidade do julgador.
Ninguém está livre de apaixonar-se por um colega de trabalho, mas se deve verificar se houve potencial ofensivo, abuso ou coação. O mais importante é averiguar se houve ameaça à liberdade sexual da vítima, ou seja, se ela pôde exercer livremente a negativa à investida amorosa/sexual da outra parte. Tanto assim que a hierarquia funcional é pré-requisito, pois apenas neste caso o legislador considerou que a vítima não poderia exercer plenamente sua liberdade de recusar o envolvimento.
Com efeito, no assédio sexual, necessariamente o agressor é superior hierárquico da vítima, o que nem sempre ocorre no assédio moral, como veremos a seguir. A questão do gênero é irrelevante, sendo que tanto o agente do assédio sexual quanto a vítima podem ser homem ou mulher.
Cabe destacar, contudo, que muitas vezes uma situação de assédio sexual pode desencadear o assédio moral, pois o ofensor, sentindo-se rejeitado, passa a perseguir o alvo de seu desejo, com o intuito de vingança e de reafirmação de seu poder. Também pode ocorrer de uma relação amorosa entre dois colegas de trabalho terminar e, a partir daí, surgir o assédio moral por inconformismo com o fim da relação.
Por fim, cabe mencionar que o assédio sexual, além das repercussões de natureza penal, também tem reflexos na seara trabalhista e, neste caso, caberá à Justiça do Trabalho, como ramo especializado do Poder Judiciário, a apreciação e julgamento do caso.

4Tipos de assédio moral

De um modo geral, as classificações têm importância apenas didática. Contudo, no caso do assédio moral, a classificação usualmente utilizada pela doutrina (assédio horizontal, vertical ascendente e vertical descendente) tem o grande mérito de demonstrar o alcance do fenômeno e que este não se limita ao assédio do superior hierárquico em relação ao seu subordinado. Não, é fenômeno mais amplo e que se revela multifacetado, como veremos a seguir.
O assédio é denominado horizontal quando praticado por um trabalhador ou grupo de trabalhadores em face de um colega de trabalho, da mesma hierarquia funcional. Em suma: não relação de subordinação entre os envolvidos.
O assédio horizontal pode decorrer de um ciúme profissional, competição exarcebada ou mesmo de uma situação externa ao contrato de trabalho, quando as partes envolvidas têm convívio social fora do local de trabalho.
O contexto econômico tem relevância quanto ao assédio horizontal que a grande competitividade, automação e escassa oferta de emprego podem afetar a cooperação entre os colegas de trabalho, criando um ambiente propício ao assédio. No entanto, deve-se ter cautela para não confundir ausência de solidariedade com assédio moral.
Aliás, o aspecto econômico favorece o recrudescimento do assédio moral não pela competição entre os colegas de trabalho, como também pela omissão da própria vítima em fazer a denúncia. Com efeito, o medo do desemprego contribui para a existência do assédio moral, que o empregado passa a suportar o tratamento degradante para não ser dispensado e não perder a fonte de sua subsistência, notadamente em um país como o Brasil, em que existe o direito potestativo de dispensa, ou seja, é permitida a dispensa sem justo motivo, bastando para tanto que se paguem as verbas rescisórias.
No assédio horizontal é extremamente relevante a atitude do superior hierárquico quando percebe este tipo de situação. Não pode se omitir sob pena de se tornar co-partícipe do assédio. Contudo, não raro, o superior acaba tirando proveito da situação de assédio para administrar a prestação de trabalho sob o império da pressão e do medo.
Justamente por conta disto se poderia entender que, em realidade, não existe o assédio horizontal. Isto porque ao empregador (ou seu representante) cabe fiscalizar a qualidade das relações interpessoais entre os empregados e se ele não o faz ou é omisso em relação ao assédio moral, este se tornaria um assédio descendente, sempre.
O assédio vertical ascendente, ou seja, praticado pelo subordinado em face de seu chefe, é mais raro. Pode ocorrer em casos de substituição da chefia. Outro exemplo seria quando, pelas peculiaridades do tipo de trabalho, o subordinado tem mais destaque do que o seu superior hierárquico (exemplo: jogadores de futebol que passam aboicotar o técnico). No serviço público, pelo fato de os funcionários gozarem de estabilidade, é mais comum o assédio moral ascendente do que na iniciativa privada, podendo se revelar de diferentes formas, como sonegação de informações, sabotagem, ridicularização.
Por fim, tem-se o assédio vertical descendente. É o mais comum, sendo o proveniente do empregador ou qualquer outro superior hierárquico em face do subordinado. Muitas vezes ao comportamento da chefia, soma-se o grupo, sendo sabido que o espírito de grupo nos impele a praticar determinados atos que, sozinhos, não levaríamos a cabo. De se destacar, ainda, que determinadas ações de assédio apenas podem ocorrer com a colaboração do grupo como, por exemplo, o isolamento da vítima.
Vistos os tipos de assédio, não se pode deixar de mencionar a situação do espectador, ou seja, do empregado que presencia seu colega de trabalho ser vítima do assédio.
O espectador não sofre o ato de assédio, mas por vezes tem tanto receio em sofrê-lo que acaba sendo também uma vítima, agindo sob a sombra do psicoterror. A ameaça se torna uma estratégia de gerenciamento. É o caso do vendedor que efetua vendas para a própria família e amigos, por exemplo, para atingir as metas impostas pelo empregador e não ficar sujeito ao assédio.
Por outro lado, o espectador do assédio pode, a par de temer ser apróxima vítima, sentir certo alívio em não ter sido oescolhido. Reforça-se o individualismo no ambiente de trabalho.
Outra reação possível do espectador é que ele sinta culpa ou angústia por não auxiliar o colega vítima do assédio, podendo também ficar desmotivado ou mesmo deprimido.
São outras conseqüências nefastas do assédio moral, a demonstrar que ele não atinge apenas os envolvidos, mas todo o corpo de funcionários da empresa.

5Considerações finais

O assédio moral é tema ainda novo e que suscita muitas controvérsias. Não pacificação na doutrina e na jurisprudência acerca dos pressupostos para a configuração do assédio, nem mesmo sobre as formas de prová-lo e valor da indenização.
Contudo, uma coisa é certa: o assédio moral traz prejuízo não apenas ao ofendido, mas a todos que fazem parte da empresa e mesmo à sociedade.
Para as empresas, ocorre queda de produtividade e geração de passivo trabalhista, com possibilidade de condenações judiciais em ações movidas pelos empregados vítimas de assédio moral. Não havendo ainda parâmetros sobre os valores destas indenizações, podem alcançar cifras bastante significativas e comprometer a continuidade do negócio.
Daí a importância de a empresa ter uma política inibidora do assédio moral, com esclarecimentos sobre o tema, apoio psicológico às vítimas e punição dos agressores. Gerentes e supervisores devem ficar atentos quando muitos pedidos de transferência, licenças médicas e queda da produtividade, pois podem ser indicativos da ocorrência do assédio.
Além disso, a Previdência Social também sofre os efeitos deste mal. O distúrbio psicológico que normalmente ocorre em casos de assédio moral pode levar ao afastamento do empregado em licença médica, o que tem repercussões sobre o atribulado sistema previdenciário. Com efeito, o assédio também pode causar danos físicos, decorrentes dos psicológicos e a vítima não raro desenvolve distúrbios como depressão, síndrome do pânico, ganho excessivo de peso etc.
O maior prejuízo, contudo, é sempre da vítima do assédio moral. Os danos psíquicos não curam rapidamente e deixam marca indelével na vida do indivíduo.
Além disso, a própria relação da vítima com o trabalho sofre abalo, o que é muito grave em se considerando que o trabalho é bem extremamente precioso, ponto culminante do investimento de uma vida inteira na educação e aprendizagem, para muitas pessoas. Vale lembrar a constatação de ALVES (2010, p. 329):O trabalho, em sua concepção humanista, apresenta-se como referência simbólica fundamental da sociedade contemporânea. É essencialmente por meio do trabalho que toda pessoa busca atingir o pleno desenvolvimento de suas potencialidades e, sobretudo, o sentido de completude.
Deve-se ainda considerar que, na hipótese de o assédio no trabalho ter afetado as relações pessoais e familiares, o dano pode ser irrecuperável e permanente.
Uma resposta do Judiciário Trabalhista a esta situação, com o deferimento de indenização, jamais recompensará a perda do convívio e do afeto daqueles que amamos. Neste sentido, pensamos que o ideal é realmente a prevenção do assédio moral e esperamos, com estas modestas e breves linhas, ter fornecido alguns subsídios para a reflexão sobre o tema.

6Referências bibliográficas

ALKIMIN, Maria Aparecida. Assédio Moral na Relação de Emprego. edição, tiragem, Editora Juruá, Curitiba: 2006.
ALVES, Marcos César Amador. Trabalho Decente sob a Perspectiva dos Direitos Humanos, in Direitos Humanos e Direito do Trabalho. Editora Atlas, São Paulo: 2010.
Hirigoyen, Marie-France. Mal-estar no Trabalho: redefinindo o assédio moral. edição. Editora Bertrand Brasil. Rio de Janeiro: 2002.
NASCIMENTO, Sônia Amauri. Assédio Moral. Editora Saraiva, São Paulo: 2009.
Prata, Marcelo Rodrigues. Anatomia do Assédio Moral no Trabalho, uma abordagem transdisciplinar. Editora Ltr, São Paulo: 2008.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil v.1: parte geral. edição, Ed. Atlas, São Paulo: 2003.



[i]               ⃰ Juíza do Trabalho do TRT da 1ª Região/RJ, Professora da disciplina direito processual do trabalho do Departamento de Direito da PUC-Rio, com formação pela Escola da Magistratura do Trabalho – EMATRA da 1ª Região.


  
[ii]          Apesar de ser tema relativamente novo, o assédio moral tem motivado muitas denúncias e está na “mira” do Ministério Público do Trabalho.  Em matéria do jornal O GLOBO (07 de março de 2010, Caderno Boa Chance) consta que, segundo dados do Ministério Público do Trabalho, os casos investigados no estado do Rio de Janeiro aumentaram de 17 (em 2004) para 140 em 2009 (aumento de 723%). Em São Paulo o aumento foi de 865%, de 23 casos para 222. Em Minas Gerais, de 15 passou-se a investigar 120 casos.
  


[iii]              Evidentemente, é possível que o empregador, para constranger o empregado, adote medidas de humilhação que também repercutam no aspecto físico como, por exemplo, colocar um assento muito pequeno para um empregado obeso, exigir que o empregado carregue peso além de suas forças etc.



[iv]              Veja decisão do Tribunal Regional de São Paulo a respeito: “DANO MORAL. ASSÉDIO MORAL. DIREITO À INDENIZAÇÃO. RESCISÃO INDIRETA. O assédio moral pode ser conceituado como o abuso praticado no ambiente de trabalho, de forma anti-ética, intencional e maliciosa, reiterado no tempo, com o intuito de constranger o trabalhador, através de ações hostis praticadas por empregador, superior hierárquico ou colega de trabalho, que causem intimidações, humilhações, descrédito e isolamento, provocando na vítima um quadro de dano físico, psicológico e social. Sua natureza é predominantemente psicológica, atentando sempre contra a dignidade da pessoa humana. In casu, a reclamante sofreu assédio moral na ré quando integrava a CIPA e encontrava-se grávida, possuindo à época, dupla estabilidade provisória. Foi alvo de um conjunto de práticas persecutórias por parte da superiora (que inclusive veio a ser despedida), tendo sido transferida de setor, perseguida e submetida a diversos outros constrangimentos, numa escalada de pressões desencadeada com vistas a fazê-la pedir demissão, livrando-se a empresa de incômoda garantia de emprego. Assim, diante de tais práticas resta presumido o impacto moral e psicológico sofrido pela empregada, sendo-lhe devida a indenização por danos morais tal como arbitrada, bem como o reconhecimento da rescisão indireta do contrato de trabalho e verbas decorrentes em face da culpa patronal, considerando-se ainda o período de estabilidade a que faz jus. Recurso da reclamada ao qual se nega provimento, no particular”. (TRT 2ª Região, Quarta Turma, decisão: 01 12 2009, tipo: RO01   NUM: 00757   ANO: 2009, número único processo RO01 - 00757-2007-079-02-00-5, DOE SP, PJ, Data: 18/12/2009, Relator: Ricardo Artur Costa e Trigueiros).



[v]   Veja interessante decisão do TRT de Minas Gerais:    ASSÉDIO MORAL - NÃO CONFIGURADO - INEXISTÊNCIA DO DIREITO À INDENIZAÇÃO - O assédio moral é  a ação reiterada, a atitude insistente, prolongada no tempo, o "terrorismo" psicológico, são ataques repetidos que submetem a vítima a situações vexatórias, discriminatórias, constrangedoras, e têm como  objetivo desestruturá- la, desestabilizá-la, seja para forçá-la a pedir demissão, transferência, remoção, aposentar- se precocemente, etc. O assédio  moral não se confunde, porém com o estresse, a  pressão profissional, a sobrecarga  de trabalho, as exigências modernas de competitividade  e qualificação; não se  confunde,  tampouco, com fatores que recaem indiscriminadamente sobre um grupo de pessoas, sem  caracterizar intenção  de humilhar, desmoralizar, perseguir um "alguém" em particular. Se,  no caso dos autos, havia somente exigência em relação a metas de vendas a cumprir, não  se caracterizou o alegado assédio moral, já que essa situação de exigência  de metas se enquadra  perfeitamente no  poder diretivodo empregador,  e,  aliás, é bastante corriqueira  quando  a  função do  empregado  é a  de vendedor.   Descabida a indenização. (TRT da 3ª Região, DECISÃO: 06 08 2008, TIPO: RO NUM: 01126 ANO: 2007,  NÚMERO ÚNICO PROC: RO - 01126-2007-038-03-00-2, Turma Recursal de Juiz de Fora, Fonte:DJMG DATA: 20-08-2008 PG: 19, Relator: Jorge Berg de  Mendonça)

   
 
Publicação autorizada pela autora.